quarta-feira, 20 de janeiro de 2016

Ifá, Òrìsà, dinheiro e fé



Autor: Babalawo Ifagbaiyin Agboola.

Tenho assistido alguns comentários pejorativos na rede social contra os Nigerianos que estão atendendo no Brasil em razão da valorização do dinheiro.

A verdade pode até surpreender as pessoas que não conhecem a religião tradicional yoruba, mas quem é iniciado, não se surpreende, a religião dos Òrìșàs em terras Nigerianas é bem clara e tudo que se pratica está contido nos versos de Ifá.

No verso do Odu Odi Ogbe explica que o dinheiro faz parte do ebó:

ÌDÌN OGBÈ
Bí bèmbé bá ko gúdù
Quando bèmbé faz sons de tambor
Gbogbo aya oba ló njó
Todas rainhas jovialmente dançam
A d’ifá fún adabo
Lançou Ifá para adabo (ajuda na manifestação do ebo)
Adabo nti òrun bò wá ayé
Quando adabo estava vindo do céu para a terra
A rú ebo náà ni owó
Nós estamos fazendo o ebo com dinheiro
Ifá kí o jé ó fín
Ifá por favor faça com que o ebo se manifeste
Tí ó bá tó ebo, kí e jé ó fín
Se os materiais para o ebo são completos deixe que ele se manifeste
Adabo jò ó jé kí ebo, ó dà fún elébo ò adabo
Adabo por favor deixe o ebo se manifestar para o cliente.

Tenho dito exaustivamente que a teologia sem a filosofia é a neblina que ofusca os olhos da verdade daqueles que se dizem religiosos.

Aqueles que querem conhecer a religião tradicional de verdade devem ir até o território Yoruba ou na medida do possível devem buscar uma forma de conviver algum tempo com essas pessoas para que consigam entender essas questões.

Estamos falando de uma religião milenar, estamos falando da cultura de um povo que mora do outro lado do oceano, querer entender outra cultura baseado na educação que recebemos aqui é quase impossível.

O discurso de alguns críticos é infundado e rebuscado de maldade e de inveja daquele que conseguem obter uma renda razoável vivendo da religião.

Na igreja católica nenhuma criança é batizada sem que seja feito o pagamento ao padre, nas igrejas evangélicas todos os rituais são subsidiados pelo dizimo dos fieis.
Porque na religião dos Òrìșàs seria diferente?

O discurso da caridade outrora divulgado pelas bases da igreja católica era proferido por um líder sentado em um trono de ouro, é impossível aplicar isso para todas as religiões.

Uma passagem de ida e volta para a Nigéria tem custo bem alto assim como os materiais que são importados, é evidente que de algum lugar deve sair o dinheiro para pagar esses custos. É bem verdade que alguns exageram na hora de cobrar, mas o pagamento é necessário.

No tocante ao ifá a grande maioria dos sacerdotes começa a se preparar na infância estudando a palavra de Òrúnmìlà, esses mesmos sacerdotes dedicam suas vidas a ifá e aos estudos, como poderiam sustentar suas famílias se não tivesses o pagamento, já que se dedicam com exclusividade a religião.

Se você for sem dinheiro consultar um médico ele vai lhe atender?

Se você for sem dinheiro consultar um dentista ele vai lhe atender?

Se você precisar de um policial e o estado não pagar o salario dele ele vai trabalhar?

Não.

Estou acostumado a escrever sobre assuntos deliciados, porém nesse caso escrever sobre dinheiro para mim fica bastante complicado, porque também sou um sacerdote sendo assim farei uma analogia desprezando o comparativo baseado no fato que a fé é imensurável:

- Quando você vai ao medico necessita fazer o pagamento, os custos das preparações de um bom médico são altíssimos.

- Quando você consulta um advogado necessita fazer o pagamento porque os custos da preparação desse profissional são enormes.

- Um bom Bàbàláwo é medico, advogado, psicanalista, além de orientador financeiro e um profundo conhecedor dos males que afligem os seres humanos.

Por que as pessoas têm dificuldades de entender o obvio?

Se você não se alimenta, você morre, se você não coloca gasolina no automóvel ele não anda, e se você não tiver dinheiro para pagar a água certamente não vai tomar banho, porque o pagamento do trabalho do sacerdote da religião de Òrìșà é visto com maus olhos.

A mola propulsora do asè não é a fé, o que impulsiona os rituais é o conhecimento, com fé sem conhecimento o resultado é um desastre, já o conhecimento aplicado em quem não acredita alcança o mesmo resultado que alcançaria em um crédulo exemplo:

-Se uma pessoa estiver desacordada na UTI e for necessário fazer um ebo, a fé do beneficiado não implica nos rituais, o conhecimento e a fé do sacerdote que vai fazer a diferença.

Toda vez que um trabalho sacerdotal é contratado e o pagamento deixa de existir, o não cumprimento de uma das partes prejudica a continuidade do que foi feito, considerando o fato que o asè é combustível na manutenção da energia empregada.
Vou tentar explicar isso de forma mais clara, mesmo sabendo que certamente serei mal interpretado, mas supondo que o pagamento por um ebo ou iniciação não tenha sido feito, a insatisfação de uma das partes bloqueia a energia gerada por ele em desenvolvimento.

Na grande maioria dos ebos é a energia do sacerdote que é usada para acessar o Òrìșà, um sacerdote doente e fraco encontra limitações para desenvolver os rituais, da mesma forma que um sacerdote insatisfeito encontra dificuldades para impulsionar o seu asè.

Se o maior de todos os Òrìșàs é o Òrì, o poder de realização esta ligada a satisfação, a alegria, a felicidade e ao conhecimento assim como a saúde, esses elementos geram a segurança e a confiança possibilitando a força e a realização.

Um sacerdote insatisfeito ou inseguro tem o asé prejudicado, a preocupação assim como a inquietação prejudicam a concentração, sem concentração a conexão com a força vital é prejudicada.

O asé é desenvolvido com o tempo, ele pode aumentar ou diminuir dependendo do comportamento e do conhecimento do sacerdote, para a manutenção do asé é necessário rituais, rituais custam dinheiro.

Então vai haver quem me pergunte se com dinheiro tudo se consegue, eu responderei não.

 Porem  farei a seguinte consideração, sem o dinheiro pouco ou quase nada se consegue.

Na formação de um bom sacerdote a ética é fundamental, nesse caso ela atua como ponto de equilíbrio na balança que limita a ganância e o poder.

Na década passada alguns lideres religiosos em nosso país desenvolveram um discurso contra os sacerdotes que viviam exclusivamente para a religião, diziam esses senhores que no Brasil era impossível iniciar um Bàbàláwo, o tempo passou e a crise financeira mundial incentivou os mesmos a mudar o discurso, hoje esses mesmos senhores passam horas na internet anunciando iniciações no território nacional.

A falta de fidelidade as convicções outrora divulgadas assim como a falta de ética de alguns supostos sacerdotes terminam alimentando os discursos de ignorantes sedentos de aplausos, essas manifestações contaminam a opinião daqueles que não conhecem a religião yoruba.

A precipitação daqueles que mesmo desconhecendo os assuntos emitem opinião é uma característica clara ou da ignorância ou da ansiedade.

Òkànràn Osá

Ilè iwájú ti Olúwo ló ni k’èbo náà ó fin
Com o ase de meu Olúwo este ebo se manifestará
Ilè ti èyìn ti Ojùbònà ló ni k’èbo náà ó fin
Com o ase de meu Ojùbònà este ebo se manifestará.